domingo, 28 de outubro de 2007

Thermidor

Há alguns anos, em um dos raros encontros com pessoas de minha família, um meu irmão conseguiu me driblar e pagar a conta do almoço antes que eu tocasse na minha carteira. Quando protestei, ele me disse: “Não faz mal, da próxima vez você me paga uma lagosta à Thermidor.” Mas já se passaram quase duas décadas e a ocasião nunca apareceu, pois quando às vezes nos encontramos não há restaurantes com lagosta, por perto. Quando nos encontramos em Recife, acertamos para o dia seguinte, mas um acidente familiar obrigou-o a voltar antes que minha dívida fosse saldada.
Mas eu não sabia bem o que era "um Thermidor”. E fui aprender, como sempre faço.
A Revolução Francesa queria acabar com tudo que fosse tradicional e resolveu também melhorar o calendário, porque tinha nomes de imperadores e deuses romanos, como Marte (março), Saturno (sábado), Julio Cesar (julho), Augusto (agosto)... e criar meses de 30 dias exatos e semanas de 10 dias. Os dias da semana eram ordenados com os nomes de primidi, duodi, tridi... até o nosso domingo, que era decadi. E os meses eram descritivos de suas épocas, como Vendemiere, Brumaire, Frimaire, Nivôse, Pluviere, Ventose... obviamente ligados a neblina, frio, neve, chuva, vento, inclusive o de Thermidor, o mês do calor, o segundo mês da estação do verão. Os trinta dias do mês também tinham nomes individuais, de frutas, plantas, animais e outras coisas agrícolas. Assim, alguém poderia dizer: “nasci em uma quatridi, mangericão (dia 14) do mês de Fructidor”. Simples, não? Bem coisa de francês. Mas essa insanidade vigorou por 8 anos, (de 1793 até 1801) até a lucidez fazer voltar o antigo calendário gregoriano, mais bagunçado porém mais gostoso.
Ah! E a lagosta? Diz a lenda -- certamente falsa como toda a história francesa -- que foi Napoleão quem inventou. Dizem também que a melhor Thermidor é servida no “Café de Paris”, para quem quiser ir até lá conferir.
Para desmistificar em sua casa, se você puder comprar uma lagosta e souber prepará-la sem que vire estopa, vai aqui a receita genérica: farinha, manteiga, leite (um bechamel comum...), creme, gemas, champignons em fatias, estragão, mostarda, páprica, chalote (cebola roxa), caldo de peixe, queijo gruyére ralado (se quiser economizar use parmesão), sal e pimenta. O resto é arte. Ah, e a lagosta, óbvio, que deve ser cortada em duas partes, de comprido, temperada e assada em chapa até amolecer, retirada da casca, cortada em pedaços, coberta de molho e gratinada...
Se realmente levar a sério, é melhor entrar no site abaixo, que mostra passo a passo, com fotos, e em francês, é claro.
http://www.meilleurduchef.com/cgi/mdc/l/fr/recettes/homard_grat_ill.html
Bon appetit!

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Palmas para o autor

Em um mundo de espectadores, o criador desaparece. Como eu sou essencialmente um leitor, que lê os livros anos antes de serem mostrados nas telas, às vezes me revolto com o excesso de loas aos diretores de cinema, pelos filmes, enquanto os autores das histórias que os tornaram possíveis ficam no esquecimento.

Kubrick é um caso típico, certamente um diretor genial. Mas, como teria feito “2001” sem a história de Arthur Clarke, que imaginou o computador HAL e mostrou o conceito das dimensões no tempo? E Kubrick é também capaz de fazer coisas ruins. Basta lembrar aquela coisa cansativa e grotesca chamada “Lolita”, que apesar da qualidade de atores como Shelley Winters e James Mason, virou um dramalhão piegas, enquanto a história original de Nabokov era emblemática e permitiria um filme muito mais inteligente e sério.

Todo mundo gostou do filme “Laranja Mecânica”, na verdade uma tradução incorreta e preguiçosa de “A Clockwork Orange”, “uma laranja de dar corda”, muito mais descritiva do personagem do filme, pois é uma expressão cockney “mais esquisito do que uma laranja de dar corda” que define uma pessoa que não bate bem. Não fosse a história de Anthony Burgess, onde o diretor iria encontrar aquele cenário de ambiente soviético, cenas cheias de termos em russo, e a figura do personagem central Alex, vivido por Malcolm McDowell, e a riqueza criativa da construção de cada um dos personagens?

Também a adaptação de boas obras destrói a essência da criação original. A forma mais danosa é a “atualização” de histórias clássicas, extirpando-as de seu ambiente natural e de seu tempo, trazendo-as para os dias de hoje, onde os conceitos culturais e morais nada têm a ver com a época em que foram escritas. No novo “Romeu e Julieta” a Verona medieval foi transmutada para Verona Beach, Califórnia, dos dias atuais. Como pode alguém aceitar a história de um amor proibido nesta época em que existe total acesso à informação e até liberdade de mais para jovens como aqueles, e quando a aprovação paterna é chamada de careta. O valor das obras de Shakespeare não está nos enredos e sim na linguagem. O que é admirável em Romeu e Julieta, Hamlet ou Macbeth, mais de que outro qualquer aspecto, é a força das linhas que os atores recitam, não os efeitos especiais nem as tentativas de roteiristas e diretores para melhorar o que não pode ser melhorado.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Racismo atávico

Fui com meus irmãos visitar minha cidade natal, Pesqueira, Pernambuco, e resolvemos fazer alguns reparos no centenário túmulo da família. Perguntei ao dono de uma casa de material de construção onde eu poderia encontrar um pedreiro para o trabalho. Ele me recomendou um nome, e acrescentou: "Olhe, não se preocupe, ele tem pele escura mas não é negro não. Tem cabelo bom."

domingo, 14 de outubro de 2007

Explicando o “motto” deste blog

Pluralitas non est ponenda sine neccesitate.
Essa citação é muitas vezes feita, também em latim, mas com texto diferente. Em documentos mais recentes, é fácil encontrá-la com a forma “entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem”, que quer dizer praticamente a mesma coisa, ou seja, que em ciência ou filosofia não se deve usar mais elementos do que o necessário para se explicar qualquer coisa.

O conceito, que é conhecido como “a navalha de Occam”, ou “Occam´s Razor”, ou ainda como o “princípio da parcimônia”, é do filósofo cristão, frade Guilherme de Occam (ou Ockham, que é o nome da cidade onde ele nasceu, no fim do século 13.

No fundo, significa apenas que se você quiser viajar de São Paulo para o Rio não precisa passar por Recife...

Segundo pude averiguar, a frase que epigrafa este blog é a única que é mencionada em documentos do próprio Frei Guilherme. As outras formas foram re-escritas por outros autores, bem mais modernos.

Quando li “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, cuja história também se passa no século 14, achei curioso que o frade Guilherme, que é uma espécie de detetive, tem muito em comum com Ockham, quando aplica seus princípios na busca da solução dos crimes no mosteiro. Mais curioso ainda é o fato de que o sidekick do frei Guilherme é um noviço chamado Adzo, nome muito parecido com o som de Watson, que era a caixa de ressonância do Sherlock Holmes. Em uma frase do livro Guilherme chega até a dizer: “...elementar, meu caro Adzo.” Certamente Humberto Eco estava fazendo uma pegadinha, ou um teste de erudição com seus leitores. Mas paro aqui para não comprometer o princípio da navalha.

Cá entre nós, Conan Doyle nunca escreveu essa famosa frase em nenhum livro de Sherlock Holmes.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Filosofia de samba


"Nos olhos das mulheres,
No espelho do meu quarto,
É que vejo a minha idade.
O retrato na sala,
Faz lembrar com saudade
A minha mocidade."

Samba de Wilson Batista e Sylvio Caldas, "Meus Vinte Anos".
Uma imagem tão precisa, tem tudo o que um bom poeta precisa ter para transmitir a "revivência" de um sentimento. Como dizia uma amiga: ... está perfeito, se passar flanela, estraga."

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Autocrítica

Minhas postagens estão muito longas. Acho que vou cansar meus dois leitores.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Egoismo Racional - por falar em Ayn Rand

Pouca gente se lembra dela. Uma jovem judia nascida na Rússia que emigrou para os Estados Unidos aos 21 anos, para fugir da revolução bolchevista e tornou-se a escritora que mais influenciou a filosofia política americana do individualismo, com seu conceito de Objetivismo, descrito em uma frase de sua obra maior, “Atlas Shrugged” :

"My philosophy, in essence, is the concept of man as a heroic being, with his own happiness as the moral purpose of his life, with productive achievement as his noblest activity, and reason as his only absolute."

Foi para Hollywood onde firmou-se como roteirista e escritora, seus livros sempre a expor sua filosofia do “egoísmo racional”. Influenciou toda uma geração de pensadores, entre os quais o orientador da economia americana Alan Greenspan. "Atlas Shrugged" foi seu maior sucesso, mas seu primeiro grande triunfo foi “The Fountainhead”, que, em 1957, foi mostrado em filme com Gary Cooper. Seu livro mais poético, onde sua filosofia é mostrada com leveza, é “Anthem”.

O pensamento de Ayn Rand faz muita falta hoje, nesta época de assistencialismo e premiação dos preguiçosos e oportunistas. Seus princípios se baseiam na valorização do pensamento humano, do esforço individual, sem esmolas, privilégios ou cerceamentos governamentais. Para ela, a ação do poder público deve-se restringir apenas ao policiamento, para que a atividade humana passe a se desenvolver sem interferências. Era defensora radical do livre capitalismo e da individualidade.

Se encontrarem algum livro de Ayn Rand em uma livraria ou sebo, comprem. Eu os tinha todos, mas pouco a pouco fui emprestando (obviamente contra os princípios dela) até perdê-los. Não é essencial seguir sua filosofia, mas é certamente indispensável conhecê-la.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O fim do papel?

A Humanidade deve tudo o que é ao fato de poder registrar sua existência em meio perene. Somente as civilizações que documentaram suas histórias têm reconhecimento hoje. Aquelas que passaram suas experiências meramente através da tradição oral quase não chegaram ao nosso tempo, e o pouco que chegou é distorcido e amoldado às diversas épocas e valem menos do que os pedaços de cerâmica jogados fora, utensílios de cozinha e seus próprios ossos, meros vestígios arqueológicos.
Ainda tenho em casa discos de massa de 78 rotações, “long-plays” de vinil, fios e fitas magnéticas, cassetes, discos floppy de computador de 8 e de 5 polegadas. São agora curiosidades tecnológicas porque não tenho mais os dispositivos que dariam acesso ao seu conteúdo. E os meus filmes em 8, super-8 e 16mm? Tenho ainda 3 projetores Carroussel Kodak que eram um luxo na minha época de executivo¸ e centenas de slides, trambolhos que eu nem tento rever, pois já não existem as lâmpadas certas nem outros acessórios,
Hoje tudo isso são informações quase totalmente perdidas, pela dificuldade em se conseguir dispositivos que as reproduzam. O disquete de 3,5 está em seus últimos estertores e os CDs e DVDs já cedem lugar às vantagens das memórias flash e outras tecnologias que aparecem a cada mês nas colunas do Scientific American.
Mas o papel ainda é o rei absoluto. Os papiros dos primeiros livros das religiões, as catilinárias de Cícero, a Carta Magna, os contos de Canterbury e a Carta de Caminha estão aí por que foram registrados em meios simples e duradouros.
O fato é que o que não ficar em papel vai ser esquecido, pois os novos meios de registro têm tempos de influência cada vez mais efêmeros.
É claro que haverá registro dos documentos e dos acontecimentos de maior importância, política, guerra, que sempre serão re-gravados nos novos meios.
Mas, e a notícia pequena? O atropelamento do operário? E o poema que sua netinha de 10 anos escreveu? Aquele lindo desenho que ela fez e que vai sumir na hora em que você desligar o Paint? Você não vai mais encontrar daqui a 20 anos no fundo de uma mala ou perdido dentro de um livro como uma flor seca. Tesouros nunca serão re-descobertos, notícias nunca serão relembradas.
Abra um jornal amarelado de cem anos atrás, leia sobre o novo filme de Greta Garbo no Cine Alhambra e o lançamento do novo modelo A da Ford por três contos de réis. Veja as páginas de moda, com aqueles vestidos pesados e chapéus gigantescos no Jornal das Moças. Está tudo no papel. E mais e mais a cada dia, per omnia secula... Não esquece nada, nem escolhe o que deve ficar.
O jornal impresso é o único registro do dia a dia em todos os lugares do mundo. As notícias do rádio e TV morrem momentos após serem divulgadas. Só o livro, o jornal são perenes e você não precisa ter toca-discos, projetor, ou computador para consultá-los.
Basta seus olhos.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Quem descobriu o Brasil?

O almirante Pedro Alvares Cabral desviou de rumo, descobriu o Brasil, assistiu missa e seguiu em frente na sua missão original, obviamente mais importante, nas Índias. Os brasileiros nada sabem sobre Cabral, quem era ele, ou o que aconteceu com ele depois do Descobrimento.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Pecunia non olet

Quando Vespasiano, no século I, começou a cobrar taxas sobre o uso dos mictórios de Roma, seu filho Tito o criticou, sobre a origem do dinheiro nojento. Vespasiano pediu que ele cheirasse uma moeda e lhe disse: "Pecunia non olet". O dinheiro não tem cheiro.

O que pode cheirar mal é o uso do dinheiro. Dinheiro pode vir da exploração dos infelizes, mas pode salvar vidas, dar comida e educação a quem precisa. Mesmo que sua origem imediata tenha sido ilegal ou criminosa. No momento em que um ato se transforma em dinheiro, este torna-se redimido e tanto faz se vier de um óbolo doado a uma igreja ou extorquido em um sequestro sangrento. Difícil aceitar?