sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O Voto da Rainha

A democracia da Grécia de Péricles é louvada até hoje como o começo da justiça política, através do voto. Mas pouca gente leva em conta que esse voto era tudo, menos popular. Democracia, mas só da elite. Só votavam os homens nascidos livres, proprietários de terras, cidadãos, pois as mulheres não tinham esse direito, por mais ricas e cultas que fossem, nem os jovens.
Nem os escravos, embora grande parte dos artistas, professores, escribas, contadores, cirurgiões, pudessem ser escravos, domésticos ou pertencentes à própria cidade.
Os reais eleitores eram portanto a elite dos patrícios, cidadãos e nobres, provavelmente pouco menos de 20% de todos os habitantes.
Encorajava-se a que fossem votados os mais ricos, donos de terra, e os mais cultos, por se achar que seriam mais competentes para governar. Os demais cargos eram preenchidos por uma loteria entre todos os cidadãos, cerca de 6.000 no caso de Atenas.
Os detentores desses cargos tinham total responsabilidade e podiam ser punidos por suas falhas. No caso dos militares, fracassos poderiam significar até pena de morte,
Aos demais, sobrava a pena do ostracismo, quando os eleitores escreviam o nome do “candidato” em uma casca de ostra. Se a quantidade fosse suficiente, ele era banido da cidade por um período de 10 anos.
Algumas dessas idéias resolveriam certos problemas nossos hoje.
Um dos sistemas eleitorais mais inteligentes, que muito me impressionou, foi o inventado no livro “In the Wet”, pelo escritor australiano Nevil Shute -- aquele que também escreveu a novela post-apocalíptica da morte vagarosa de todos os habitantes do mundo depois de uma hecatombe nuclear, começando pelo hemisfério norte e pouco a pouco se espalhando por toda a terra ("On The Beach").
Ele concebe um tipo de valor para o eleitor, que varia à medida que sua importância como cidadão aumenta.
Dessa forma um eleitor pode ter o valor de seu voto acrescido em seu valor, até 7 vezes mais do que o voto básico tradicional.
Cada cidadão que completasse 21 anos seria de imediato considerado um eleitor, pois com menos idade do que isso não se pode confiar na seriedade e discernimento para decisões tão importantes. Esse é o nível 1, o primeiro voto ou Voto Base.
O nível 2 é o Voto da Educação. É outorgado a qualquer pessoa formada em um curso superior, ou que atinja o oficialato, se for militar. É o reconhecimento ao esforço intelectual e à provável melhor competência em seu critério de julgamento.
O eleitor pode somar também ao seu título o Voto de Viagens ao Estrangeiro, ou nível 3, para quem tenha sido capaz de viver por mais de dois anos em um país diferente e trabalhar e se sustentar por sua própria conta.
O Voto Família é o quarto, e iria para cada um dos membros do casal que conseguisse criar pelo menos dois filhos até os 14 anos de idade, sem se divorciar. Transmite uma idéia de segurança, seriedade e estabilidade.
O nível 5 é o Voto de Realização, que é prerrogativa de quem construiu alguma coisa importante para sí próprio, para o Estado ou para outros. É dado a um industrial ou comerciante de sucesso, um profissional liberal de destaque. Algo para ser concedido a um Pitanguí, Antônio Ermírio ou Niemeyer. É simplesmente o reconhecimento à capacidade prática e realizadora da pessoa. Obviamente um presidente de empresa deverá ter melhor critério de julgamento do que a faxineira de seu escritório. Poderia ser dado a qualquer pessoa que fosse capaz de ganhar mais de 100.000 reais por ano... no ano anterior à eleição.
O nível 6 é o Voto da Religião, e é o único do qual eu discordei, pois até me surpreende a idéia vir do Nevil Shute, um ateu, engenheiro aeronáutico, ex-militar e materialista, escritor de “techno-thrillers”. Esse voto seria concedido a pessoas que de destacassem no âmbito espiritual, como líderes religiosos. Em minha opinião, acho que seria o ideal para os Bispos Macedos da vida, e seus outros bispos, pastores faladores, padres marcelos, milagreiros e curadores espíritas.
O último é o nível 7, que seria raríssimo, talvez apenas uma meia dúzia por ano, que o autor chama de Voto da Rainha, seria dado por Sua Majestade Real Britânica a quem ela julgasse que merece, por sua escolha arbitrária, sem necessidade de nenhum critério específico. Na realidade, seria uma condecoração ou honraria. Mas é necessário lembrar que “In the Wet” foi escrito nos anos 60 e a importância da Rainha era outra e a Austrália ainda era parte atuante do Commonwealth.
É claro que tal sistema é uma idéia que jamais será considerada, mas não se pode deixar de pensar que algo parecido com isso poderia dinamizar muito mais o processo eleitoral, provocando maior interesse pela política entre aqueles que estudam, lêem jornais e estão atentos às mudanças do mundo e ao caráter dos políticos de seu país. Seria reconfortante saber que o seu voto vai pesar mais porque sua opinião é respeitada como mais ponderada, pela comunidade.

Um comentário:

SV disse...

Eu li este post provavelmente tão logo foi publicado. Lembro claramente que, de tão submersa na idéia dos votos, fiquei vaporosa e esqueci de fazer comentários.

I'll email you. xoxox.